domingo, 11 de dezembro de 2011

Amor vicia

- Ei, e o namorado novo?
- Sabe quando você pensa num cara o tempo todo? E tem vontade de ter ele ao seu lado sempre? É tanta vontade de ter que você passa a contar as horas.
- Sinto isso quando eu penso na cerveja que me espera sexta-feira.
- É mais ou menos isso. Amor é como uma droga, vicia.

Os sintomas do vício aparecem quando você sente uma necessidade de encontrar com ela pra conversar todo dia, mesmo que não se tenha assunto. Mesmo que seja só pra ficar juntinho, sem dizer nada, porque o colo dela é o melhor lugar do mundo. E quando não dá pra se encontrar, liga, porque a voz dele é melhor que chá de camomila pra acalmar.

Quando sua memória repassa cada momento do encontro anterior e imagina como vai ser o próximo. Quando se cogita a loucura, porque não consegue pensar em outra coisa a não ser isso! Pensa antes de dormir, durante os sonhos e quando abre os olhos é a primeira ideia que vem à cabeça. Quando você sente que pode fazer qualquer coisa e que nada vai dar errado.

Entretanto, quando você está com as manias dele sem nem saber onde começa um e termina o outro, já vai num estágio avançado e preocupante. "Transforma-se o amador na coisa amada por virtude do muito imaginar", já dizia Camões. Recomendo a você uma boa rehab pra desintoxicar, afinal, tudo que é demais é ruim.

Mas bem pesado e bem medido, esse tal de amor é um bom entorpecente em que a gente quer é se esbaldar. Sem efeitos colaterais, faz o chão sob os pés sumir e o céu não ser limite. Meio como álcool, pode fazer bem à vida da gente, quando bebido moderadamente. Amor é que nem uma taça de vinho que você deve tomar todo dia. Faz bem pro coração.

sábado, 1 de outubro de 2011

De Medusa a Madonna

Manhã de sábado, mulheres correm enlouquecidamente, cada uma procurando um salão "vago" para fazer escova, sobrancelha, unha e se transformar na próxima Gisele só porque tem aniversário do afilhado. Local do crime: o salão mais próximo de você. Nem pense que isso acontece só em um, são todos assim: dos mais requintados aos mais simples. A moça chega, pergunta se está livre e a dona responde que sim, embora tenha cada funcionária ocupada. A moça espera no sofá olhando as revistas do ano passado, mas que se tornam a coisa mais interessante do mundo durante os 30 minutos de espera. A funcionária favorita fica livre e lá vai a moça.

Sala de depilação: a tortura. Mas pra cada tortura tem que ter uma distração que amenize. A da depilação é a conversa. Se fala de tudo, mas principalmente da vida. Do que acabou de acontecer, do que podia ter acontecido, do que vai acontecer e do que é especulado. Fala-se da sua vida meio que como em um divã, e a depiladora é a psicóloga.

Depois da depilação, unhas. A melhor parte. Parece que com as cutículas, vão-se embora todos os problemas. E os nomes dos esmaltes? Tem nome de gente, nome que não condiz com a cor dos esmaltes, como Lagoa Azul que não é azul, nomes de comida e nomes bregas. E os mais comuns: Vermelho (insira aqui um pecado). Pergunto-me no que diabos as pessoas que escolhem os nomes pensam na hora de escolher. Fora que tem milhares de tons diferentes pra só 20 dedos! E a mania de cor escura na mão e clarinha no pé? Por quê? Eu tenho, mas não sei o motivo.

A mocinha de pele de pêssego e mãos de fada senta na cadeira de frente ao espelho. Começa a contagem para duas coisas: a) de cabelos brancos e b) pro fim, porque não existe coisa mais chata que ter a cabeça puxada pra trás por uma escova. A conversa também continua, só que num tema diferente: Novela. Antenor foi expulso de casa, Quinzinho guardou o bilhete da loteria, Tereza Cristina é uma vaca e você tem o resumo da semana.

"Baby você não precisa de um salão de beleza" cantou Zeca Baleiro. Mal sabe ele que para as mulheres, salão de beleza não é somente um estabelecimento pra ficar mais bonita fisicamente, serve mais como um santuário. Contar os pecados e fazer tratamentos estéticos e espirituais. É um espairecimento do corpo e da alma.

domingo, 31 de julho de 2011

Entrando no branco.


Já ouvi alguém dizer que o maior desafio de um ser humano é uma folha em branco. Isso deve ser porque, citando outra pessoa, tudo que nós sabemos fazer, aprendemos imitando. Usarei como exemplo o que estou fazendo: aprendemos a escrever imitando as letras que a professora risca no quadro.

Como saber o que fazer com algo que o ponto de partida é nada? Eu comecei esse texto usando as palavras de outras pessoas. E agora, o que é que vem? Pronto, acabou a cola. Como vou continuar a entreter os leitores sem algo digno pra copiar? Eu poderia acabar por aqui, entretanto, eu gosto de desafios.

Podia descrever a paisagem, e falar de como ela me faz sentir. Podia falar de amor ou tristeza, podia questionar o sentido da vida ou podia fazer críticas sobre qualquer coisa. Garanto que não estaria sendo a primeira, e nem a melhor. Podia, descaradamente, ser mais uma a dar dicas de como se escrever uma crônica, mas não vou fazer nada disso. Vou deixar essa crônica aberta, sem conclusão, inovando talvez, para quando aparecer algum ponto final decente.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Almoço de domingo

Almoço de domingo deve ser igual em todas as famílias. Na casa da avó, a mesa que quase não cabe tanta travessa de comida. Pais e tios discutindo o sobe e desce do time do coração na tabela do Brasileirão. Os primos que se reencontram meses depois do último aniversário e o barulho das crianças correndo. Inconfundível, mas pode ser na casa de qualquer um.

Churrasco, feijão verde, arroz de leite, empadão, lasanha da tia, macaxeira frita e por aí vai. Tudo em quantidades que alimentariam um batalhão. Enquanto os pratos passam, as garrafas de cerveja fazem uma dança pelos copos. Quanto mais garrafas vão descansar vazias debaixo da mesa, mais a discussão futebolística desce a série.

Lembranças da última viagem da família pro sítio no interior e as histórias a serem contadas de quando os netos nem eram nascidos. As mãos batendo na mesa e as vozes alteradas assustam os que não sabem diferenciar uma briga de uma história mal contada em família.

Depois de abrir um espaço na barriga, tem que ter sobremesa. As cunhadas se juntam pra conversar, e falar mal da que não apareceu. "Aquela ali só quer ser rica”. As crianças cochilando num quarto. O frenesi vai diminuindo.

Com o cair da noite, voltam todos pros seus respectivos lares. Resultado: as crianças não aguentando mais ver doce e se achando milionárias com 10 reais. Presente da avó, porque avó que é avó mima até estragar. Os pais com a barriga cheia, de chopp ou de comida, que chega a dificultar o manuseamento do volante. Visão decadente, eu sei, mas nada poderia expressar melhor os melhores momentos em família.

domingo, 12 de junho de 2011

Causo de São João.


Todo mundo lembra de amor quando falam em carnaval, amor que não sobe serra, casamento e dia dos namorados. O negócio é que ninguém para pra lembrar, que em junho, além de fogueiras e férias, acontece muito amor. Não estou falando do dia 13 não, dia de Santo Antônio, que ajuda as devotas encalhadas a conseguir um bom partido com suas simpatias maldosas. Colocar o santo de cabeça pra baixo dentro do poço é a mais vil chantagem que eu já vi.

Estou falando do dia de São João, que para muitos de romântico só tem o casamento matuto. Eu acho que não. Vou contar uma história que aconteceu lá pelas bandas de São Rafael, antes da cidade alagar. Foi num dia 23 de junho de um ano em que eu nem sonhava em nascer. Na frente da Igreja, um monte de barraquinhas abarrotadas de comidas típicas, a fogueira crepitava como as bandeirinhas coloridas no céu.

Anita, moça prendada, estava no comitê de organização, e cuidava de tudo com olhos de águia; queria uma festa que santo nenhum botasse defeito. Enquanto provava os quitutes que D. Mocinha havia preparado, apareceu Carmem avisando que Maria, a moça que ficaria na barraca do beijo estava com catapora e não poderia ir. Anita, mais do que responsável, assumiu o posto desamparado sob o olhar de desagrado de seu pai.

Ajeitou o penteado, alisou as dobras que tinha no vestido de chita, passou um batom rosa para atrair mais gente, afinal o dinheiro arrecadado iria para a paróquia. Foi pra trás da barraca vermelha cheia de corações. Todo mundo que passava, parava, pagava e ganhava um beijo na bochecha, até porque aquilo era um evento da Igreja e não um ato de desavergonhice.

Mas essa história não teria graça se não houvesse um do contra: Seu Jorginho, moço aprumado, muito perfumado, gravata bordada, sapato engraxado e bigode penteado, apareceu para prestigiar a festa. Passou por todas as barraquinhas e quando viu Anita na barraca do beijo, não contou conversa e aproximou-se:

- Quanto é o beijo?
- Boa noite pro senhor também, seu Jorginho. É um conto de réis.
- E onde é o beijo, ein?
- Na bochecha.
- E onde seria para minha pessoa?
- Continuaria sendo na bochecha, por que haveria de ser diferente?
- Ora, Anita, você é minha namorada, não vá deixar meia tigela de besteira que esse povo fala acabar com nosso amor.
- Eu era, seu Jorginho, ERA. A partir do momento que vossa senhoria passou a cortejar Janaína, minha melhor amiga, o senhor não tem direito a nada além de um beijo pago pra ajudar Padre Campos a ajeitar a Igreja.
- E se eu pagasse mil contos de réis?
- Ora, mais que disparate, o senhor pensa que eu vou me vender assim, por mil contos como se fosse uma vaca só pro senhor conseguir um beijo, tá MUITO DO ENGANADO.
- Acabei de pagar seu dote ao seu pai, por isso estou aqui conversando com a senhorita sem que ele me aponte o 38 dele. Eu te amo, e tu não devia acreditar no que o povo fala, só fui falar com Janaína pra saber de que tipo de anel você mais gostava.

Sem perder mais um minuto, num milagre de São João, não de Santo Antônio, Anita pulou no pescoço de Jorge e tascou-lhe um beijo que nem um milhão de réis pagaria. É por essa que eu acredito que amor não tem data fixa, nem santo certo, pra acontecer.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Teoria da evolução contemporânea

Você, leitor, num domingo à noite liga a TV. Passa os canais à procura de algo que te distraia do mundo real, que anda violento demais. Então, jornal não. O canal X está passando a propaganda de sempre, tentando vender um espremedor de frutas que limpa a pia após feito o serviço. Próximo!

O canal de música que costumava tocar todo tipo de banda, agora só toca o que a massa quer, e pode, ouvir. No seguinte, tem uma família fazendo do palco, um divã, enquanto discute a má relação dos pais divorciados com os filhos revoltados. E piora: logo após o intervalo, não perca, o divã virará laboratório e Gilvanderson descobrirá se realmente é pai do filho de Juciara. Outro canal, por obséquio.

Agora um festival de peitos e bundas ao sol, barracos forçados, romances dignos de contos de marionetes, ops, de fadas. Tudo isso junto numa casa filmada. Um banquete para os que tanto gostam de olhar a vida alheia.
Televisão brasileira: serve para, vigorosamente, entreter e divertir o povo enquanto suga as informações úteis do cérebro dos espectadores. Ou você, leitor, achava que o único motivo de o único programa educativo da TV aberta passar as cinco da matina era por falta de horário?

Que Darwin me perdoe, e não se contorça na cova, mas essa é a teoria de evolução dos dias de hoje é: quanto mais o ser humano souber da vida social alheia, mais informado ele estará.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Vida Real

Se me perguntassem por que eu estou aqui, sentada no banco desse bosque, não saberia responder.

Mentira, saberia sim, mas eu acharia melhor não o fazer. Ir no mais íntimo dos sentimentos sempre é perturbador, e como todo ser humano: eu prefiro o caminho mais fácil. Entretanto, não o mais simples.

A justificativa de eu estar aqui não seria um "Eu estava cansada de ficar em casa" e sim "Parecia que o teto ia esmagar minha cabeça de tão sufocada que eu estava, tive que sair voando e até esqueci o prendedor de cabelo".

Também queria escrever, a única coisa que acaba com minha ansiedade. Podia escrever em casa, mas ainda acho muito simples escrever em casa. Tenho que ter alguma coisa que enfeite de onde vem a criatividade para eu escrever esse projeto de crônica.

Aí eu saí, fiquei entre ir a um supermercado, ver o corre-corre das pessoas em busca das promoções relâmpago e escrever sobre a falta de tempo, ou vir pro bosque e só ver. Talvez escrever o que sentia ou descrever o farfalhar das árvores. Segunda opção foi mais fácil. Mas quem disse que eu não posso dar aquela enfeitada? Já falei que não gosto de nada simples. Então: achei que o ar puro iria me fazer limpar as idéias e me distrair... Pra não dizer que foi somente por estar mais perto do bosque.

Acabou que chegando aqui, ouvindo Engenheiros do Hawaii e relembrando tudo que eu tinha pensado no caminho, decidi escrever sobre minhas ações cerebrais, vulgares pensamentos, e percebi que vivo tentando fazer a minha vida parecer menos monótona do que realmente é, e como se fosse pouco, querendo que ela seja lírica e cinematográfica. Isso tudo pra que tenha graça. Hábitos de escritora, que fazer?

Mas com isso, percebi que sempre vivemos querendo mais do que temos, não importa o quê. Agora eu quero mais romantismo, aventura e um tchan. Vou passar na padaria na volta pra casa e comprar um sonho bem recheado pra ver se enfeita a realidade.

"Ah, vida real, onde é que eu troco de canal?"

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Too much.

“Corrupto demais,/política demais,/tristeza demais./O interesse tem demais!/Violência demais,fome demais,/falta demais,/promessa demais.”

Sempre ouvi dizerem que tudo demais não presta... Nem precisa ser substantivo ruim como na música d’O Rappa. Quer ver?!

Amor demais. Amor demais sufoca. Amor demais enjoa, dá agonia de tanta presença. Cada um precisa de seu tempo e espaço e isso é fato desde que o mundo é mundo. Como é que os relacionamentos iam funcionar se as pessoas tivessem 100% do tempo junto de quem se gosta? Não haveria desejo, afinal não se deseja o que já se possui.

Alegria demais parece coisa de quem é infeliz. E coisa de quem finge. Seja feliz, mas seja feliz não pra parecer pros outros, e sim pra você. Tem gente que finge que é feliz pra agradar e sai com um sorriso de todos os dentes, quando por dentro se é banguela. De que adianta ser tão feliz por fora se não é de verdade?

Dinheiro demais. OK! Sei que vão me atirar pedras por dizer isso e muitos “o 4º parágrafo é mentira blábláblá”, mas eu, sinceramente, não sei pra quê gente que já tem dinheiro quer mais dinheiro ainda. Quando me perguntam “Qual seu sonho?”, eu não respondo que é ganhar na loteria, como a maioria das pessoas. Felicidade vem com dinheiro, mas quem disse que precisa ser o dinheiro do mundo todo? Se eu não ficar cheia de dívidas e tiver comida na minha mesa todos os dias, tô de boa.

Esses foram só três exemplos, mas não são os únicos. Foi só pra perceberem que tudo tem dosagem certa. Nem demais, nem de menos. Como distância: não precisa ser vizinho e se ver todos os dias, entretanto não precisa ir morar no Acre.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Aniversário alheio.



Passos para lá e para cá no meio da sala, os nós dos dedos já brancos de tanto serem apertados e estalados; a boca se mexe recitando um discurso que nunca está bom o suficiente, só porque é para ele. Ele. É com ele que vai falar e é por isso que precisa que seja perfeito.

E se não for ele a abrir à porta? Qual é a melhor reação? Foi para frente do espelho e começou a ensaiar o que diria se a mãe dele abrisse a porta. Se já estava sem graça de falar com ele, avalie com a mãe. Começo de namoro é sempre assim.

"João está aí?" Não, muito direto, parece que ela não tem educação.
"Bom dia, o João se encontra?" Isso foi tão educado que chega a ser falso. Ninguém é tão educado assim.
“Oi, o João tá aí?" Ótimo, espontâneo e sorridente. Com sorte ele não estará.

Estranho ela escolher algo tão espontaneamente previsto. Chega a ser hilário isso de se preparar tanto para algo que sempre sairá melhor se for espontâneo. Mais hilário ainda é querer fazer algo e torcer pra não ter que fazer. A contrariedade feminina contrasta com sua indecisão certa.

E quando ele aparecer? "Parabéns João, tudo de bom, é só uma lembrancinha". Isso e um sorriso falso. Nada mais sem graça. Nada mais programa do Gugu no domingo.
"Feliz aniversário, João. Muita luz, que Deus te abençoe, muita paz, saúde..." Isso e uma roupa azul com bolinhas brancas e ele pensa que é a avó falando.

Melhor deixar rolar, já são quase quatro e meia e ela está se atrasando. Vai saindo de casa, pede ajuda pra tudo quanto é santo que melhore as ideias. Incrível que quando não se quer, sai um conto, mas um simples Happy Birthday quase a faz arrancar os cabelos. Falando em Happy Birthday, como Marilyn Monroe conseguia cantar isso saindo de um bolo de um modo tão "I don’t care" pro presidente Kennedy, enquanto ela não consegue nem achar uma frase expressiva para seu novo namorado. Não desmerecendo o namorado, claro.

Tocou a campainha da casa e esperou, um minuto parece um dia, uma eternidade. Ai, que exagero. Ele abre a porta. E agora? Não ensaiou pro caso de ele atender a porta, ensaiou pro caso da mãe dele atender e ir chamá-lo. Isso era totalmente diferente. Não deu tempo de pensar no que fazer ou falar.

“Oi, meu amor.”
E veio o abraço, esqueceu o que tinha ensaiado e o que não tinha também, esqueceu até que tinha presente nas mãos. Havia se preocupado tanto com a cereja do bolo que esqueceu que o mais importante, o próprio bolo, o fato de ter lembrado. Porque o que vale é o que importa.

sábado, 26 de março de 2011

Me & Mr. Jones.


O banco em que eu sentei estava gelado e minhas pernas estavam ficando dormentes. O céu estava cheio de nuvens e elas pareciam estar ao alcance dos dedos, bastaria eu esticar a mão... As folhas das árvores dançavam com o vento e faziam um barulho de arrepiar a espinha. Olhei ao redor e para o relógio. Como sempre, ele estava atrasado.

Havia uma sombra muito parecida com a de uma pessoa no canto da parede. Homem. Parecia muito com um maníaco que não hesitaria em me matar. Ótimo, estava começando a ter devaneios. A solidão faz dessas coisas com qualquer um, ou enlouquece de vez ou faz uma grande viagem a si mesmo. Senti um arrepio na nuca e me virei, lá estava aquele rosto, próximo demais.

"Boa noite", ele disse com um olhar de estranho.
"Atrasado" e entortei a boca.

Olhei para o canto na parede e lá só havia o costumeiro pé de acerola, nada de sombra. Olhei para o céu enquanto ele sentava ao meu lado e as nuvens haviam passado. Agora parecia que tinham jogado purpurina prateada num tecido preto: eram tantas estrelas que nem me atrevi a contar, parecia que o céu estava em festa pela chegada dele.

O rosto do rapaz vinha em direção ao meu.

Não existia mais som das folhas contra o vento, nem nuvens, nem frio, nem sombra. Só eu e ele. O arrepio que eu sentia já não era de frio e sim de felicidade por finalmente tê-lo perto. Não existiam mais monstros prontos para atacar, nem a raiva do atraso. Existiam abraços, beijos e nós difíceis de desatar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Carnaval.

O céu se divide em cores azuis verdes amarelas laranjas e vermelhas. As nuvens velejam pelo céu em direção à noite.
Uma pipa rebola enquanto um amontoado de crianças comandam-na do chão. É uma segunda de carnaval e a rua está quase deserta.

Um vira-lata perambula pela calçada em busca dos restos que serão seu jantar. Alguém na rua liga o som e agora a voz de algum cantor de axé enche a rua, parece que as coisas vão começar a animar. Ainda estou entediada. A varanda me dá uma visão privilegiada de tudo o que acontece fora, mas melhor seria estar junto do movimento.

Dentro de casa, minhas irmãs se arrumam com direito a todo tipo de maquiagem que se possa imaginar. Todas as cores do céu vão aos seus rostos e o brilho do Sol está em seus olhos.

Eu, que não quero ficar dentro da casa, nem posso sair, escolho a imaginação.

Yes, I don't.

"Do you speak english?"

Momento de tensão. Você está sentado na cadeira da escola nova e logo no primeiro horário tem aula de inglês. O professor entra imponente e tem cara de quem gosta de ver os alunos sofrerem. Após perguntar o seu nome e de qual escola você vem, ele te pergunta se você sabe falar inglês, coisa quase tão clássica quanto os trotes de faculdades. Você sabe o que deve responder, mas sua consciência não deixa.

Afinal, você desenrola um cat, dog e beautiful, mas falar fluentemente são outros quinhentos. Mesmo com toda a sala sabendo o que você ia responder, já que você está no 2º ano do Ensino Médio, e você com as palavras na ponta da língua, saiu aquilo que você temia:
"Yes, I don't."

O choque foi parcial, já que metade da sala ria. Não, você não havia enlouquecido. Só havia sido sincero. Estranho que só um erro pudesse ser tão perfeito para essa ocasião.

Enquanto a sobrancelha do teacher vai arqueando, você trata logo de ir se explicando.
"Bem, eu sei que a resposta que dei é difícil de se ouvir, mas é o que sei que é verdade. Acredito que consigo me comunicar com algum gringo. Se isso é falar inglês, não sei, só sei que consigo fazer. Entretanto, como ainda não conclui nenhum curso e estou aqui para aprender, acredito que não."

O professor pergunta novamente, dessa vez chamando o seu nome, e você se dá conta que passou os últimos 4 minutos pensando no que seria melhor pra dizer.
"Yes, I do." Mentiu.

Melhor seria não causar tumulto no primeiro dia de aula.

sábado, 12 de março de 2011

Swinging.



Tomo impulso com as pernas e me movimento para trás, solto a força que estava fazendo e me deixo ir pra frente. O brinquedo em que estou sentada me impulsiona pra frente. Tenho que me segurar nas correntes amarelas ao lado do assento. Sinto o vento vir contra o meu rosto e meus olhos lacrimejam. Sinto como se nada pudesse me parar e a viagem não fosse ter fim.

Lembro da minha infância e de como esse era meu brinquedo favorito no parquinho de diversões. Acho que pela adrenalina liberada ao subir tão alto, pela sensação de liberdade.

Sinto que estou voltando porque meu cabelo vem à face. Parece que estou sendo puxada a um lugar conhecido. Raízes.
Que sensação de liberdade, que nada... O que importa é ter pra quem voltar no fim do dia. Ir, mas saber que um dia voltará pra onde saiu. Essa segurança é o que me faz gostar tanto.

Aliás, a adrenalina segura, firme, certa é que faz isso. Se é que é possível: a certeza. Ouço mamãe chamar e percebo que ela é a rédea que me puxa de volta pra casa, tal qual as correntes não deixam que o balanço vá longe demais. Longe como meus pensamentos que me fazem voltar ao passado.