quinta-feira, 30 de junho de 2011

Almoço de domingo

Almoço de domingo deve ser igual em todas as famílias. Na casa da avó, a mesa que quase não cabe tanta travessa de comida. Pais e tios discutindo o sobe e desce do time do coração na tabela do Brasileirão. Os primos que se reencontram meses depois do último aniversário e o barulho das crianças correndo. Inconfundível, mas pode ser na casa de qualquer um.

Churrasco, feijão verde, arroz de leite, empadão, lasanha da tia, macaxeira frita e por aí vai. Tudo em quantidades que alimentariam um batalhão. Enquanto os pratos passam, as garrafas de cerveja fazem uma dança pelos copos. Quanto mais garrafas vão descansar vazias debaixo da mesa, mais a discussão futebolística desce a série.

Lembranças da última viagem da família pro sítio no interior e as histórias a serem contadas de quando os netos nem eram nascidos. As mãos batendo na mesa e as vozes alteradas assustam os que não sabem diferenciar uma briga de uma história mal contada em família.

Depois de abrir um espaço na barriga, tem que ter sobremesa. As cunhadas se juntam pra conversar, e falar mal da que não apareceu. "Aquela ali só quer ser rica”. As crianças cochilando num quarto. O frenesi vai diminuindo.

Com o cair da noite, voltam todos pros seus respectivos lares. Resultado: as crianças não aguentando mais ver doce e se achando milionárias com 10 reais. Presente da avó, porque avó que é avó mima até estragar. Os pais com a barriga cheia, de chopp ou de comida, que chega a dificultar o manuseamento do volante. Visão decadente, eu sei, mas nada poderia expressar melhor os melhores momentos em família.

domingo, 12 de junho de 2011

Causo de São João.


Todo mundo lembra de amor quando falam em carnaval, amor que não sobe serra, casamento e dia dos namorados. O negócio é que ninguém para pra lembrar, que em junho, além de fogueiras e férias, acontece muito amor. Não estou falando do dia 13 não, dia de Santo Antônio, que ajuda as devotas encalhadas a conseguir um bom partido com suas simpatias maldosas. Colocar o santo de cabeça pra baixo dentro do poço é a mais vil chantagem que eu já vi.

Estou falando do dia de São João, que para muitos de romântico só tem o casamento matuto. Eu acho que não. Vou contar uma história que aconteceu lá pelas bandas de São Rafael, antes da cidade alagar. Foi num dia 23 de junho de um ano em que eu nem sonhava em nascer. Na frente da Igreja, um monte de barraquinhas abarrotadas de comidas típicas, a fogueira crepitava como as bandeirinhas coloridas no céu.

Anita, moça prendada, estava no comitê de organização, e cuidava de tudo com olhos de águia; queria uma festa que santo nenhum botasse defeito. Enquanto provava os quitutes que D. Mocinha havia preparado, apareceu Carmem avisando que Maria, a moça que ficaria na barraca do beijo estava com catapora e não poderia ir. Anita, mais do que responsável, assumiu o posto desamparado sob o olhar de desagrado de seu pai.

Ajeitou o penteado, alisou as dobras que tinha no vestido de chita, passou um batom rosa para atrair mais gente, afinal o dinheiro arrecadado iria para a paróquia. Foi pra trás da barraca vermelha cheia de corações. Todo mundo que passava, parava, pagava e ganhava um beijo na bochecha, até porque aquilo era um evento da Igreja e não um ato de desavergonhice.

Mas essa história não teria graça se não houvesse um do contra: Seu Jorginho, moço aprumado, muito perfumado, gravata bordada, sapato engraxado e bigode penteado, apareceu para prestigiar a festa. Passou por todas as barraquinhas e quando viu Anita na barraca do beijo, não contou conversa e aproximou-se:

- Quanto é o beijo?
- Boa noite pro senhor também, seu Jorginho. É um conto de réis.
- E onde é o beijo, ein?
- Na bochecha.
- E onde seria para minha pessoa?
- Continuaria sendo na bochecha, por que haveria de ser diferente?
- Ora, Anita, você é minha namorada, não vá deixar meia tigela de besteira que esse povo fala acabar com nosso amor.
- Eu era, seu Jorginho, ERA. A partir do momento que vossa senhoria passou a cortejar Janaína, minha melhor amiga, o senhor não tem direito a nada além de um beijo pago pra ajudar Padre Campos a ajeitar a Igreja.
- E se eu pagasse mil contos de réis?
- Ora, mais que disparate, o senhor pensa que eu vou me vender assim, por mil contos como se fosse uma vaca só pro senhor conseguir um beijo, tá MUITO DO ENGANADO.
- Acabei de pagar seu dote ao seu pai, por isso estou aqui conversando com a senhorita sem que ele me aponte o 38 dele. Eu te amo, e tu não devia acreditar no que o povo fala, só fui falar com Janaína pra saber de que tipo de anel você mais gostava.

Sem perder mais um minuto, num milagre de São João, não de Santo Antônio, Anita pulou no pescoço de Jorge e tascou-lhe um beijo que nem um milhão de réis pagaria. É por essa que eu acredito que amor não tem data fixa, nem santo certo, pra acontecer.