sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dois olhos negros.

Ela olhou para cima e lá estavam aquelas duas orbes a encarando, acompanhadas de um sorriso presunçoso e encantador. Fazia duas horas que os amigos tinham se reunido e ele havia chegado. Apesar de não ser o ideal de beleza, ela havia se encantado com ele. Tanto que não emitiu uma vogal desde que o vira pela primeira vez.

Enquanto os outros falavam, sua mente vagava de ponto em ponto. Já seus olhos sempre voltavam aos dele. Os olhares furtivos eram de ambos. Ela corava e abaixava os olhos, enquanto ele continuava a olhá-la como se o infinito ali estivesse.

Queria muito levantar a cabeça e encará-lo de volta, desvendar o segredo que aqueles olhos possuíam. Eram escuros e infindos como a noite e pareciam querer contar uma história diferente a cada bater de cílios do seu dono.

Não importava mais o assunto que rolava na mesa, devia ser algo acerca da população chinesa ou guerras. A única coisa que a interessava eram os olhos. Xícaras de café preto e fumegante numa noite fria. Repletos de aconchego e calor, mistério e misticidade que ela adoraria descobrir.

Ai! Se ele chegasse mais perto e tomasse seus lábios em um beijo. Ai! Se os braços dele a livrassem do frio e a dessem calafrios.

Continuou afastada da conversa que se estendia ao passar da hora. Preferiu se perder no mundo novo oferecido pelos olhos do cara sentado ao seu lado, esse deveria ser bem mais interessante que o mundo onde ambos estavam afastados demais.

Descascando terceiros

Estava sentada esperando minha vez de ir ao balcão colocar uma carta pra envio. Um senhor na minha frente exibia raros fios brancos e uma careca lustrosa. Tinha também um sorriso bondoso. Ele parecia o tipo de pessoa que tinha sido casado durante uns 40 anos e que só havia tido um amor em toda a vida.

Deveria contar estórias, grandes epopeias aos netos, para que estes tivessem a imaginação alimentada. Tem cara de quem toma chá de camomila todo dia na mesma hora, porque o médico proibiu o café. Dorme com as galinhas e acorda com os galos, e não gosta de descansar sem precisar. "Deixa pra descansar quando morrer."

Deve gostar de ler jornal, mas não deve ser fã de literatura lírica. Pra ele, o amor de sua esposa lhe bastava. E na música! Ouve Bartolomeu Galeno e boleros e tangos que falam de amor. Deve ter um neto preferido, que os outros dizem ser "a sua cara", e para este sempre dá 10,00 reais a mais no fim de semana. Seu bordão deve ser comum a muitos de sua idade: "No meu tempo...".

Imaginei tantas coisas da vida desse senhor que deu vontade de sentar ao seu lado e dizer: "Bom dia, como vai?" e escutar todos os causos que ele quisesse me contar, inventados ou não. Entretanto, ouvi o som que indicava que o 421 havia sido chamado para depositar a carta.

Carta, coisa que era muito mais valorizada no tempo do senhor que estava a sua frente.