sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Descascando terceiros

Estava sentada esperando minha vez de ir ao balcão colocar uma carta pra envio. Um senhor na minha frente exibia raros fios brancos e uma careca lustrosa. Tinha também um sorriso bondoso. Ele parecia o tipo de pessoa que tinha sido casado durante uns 40 anos e que só havia tido um amor em toda a vida.

Deveria contar estórias, grandes epopeias aos netos, para que estes tivessem a imaginação alimentada. Tem cara de quem toma chá de camomila todo dia na mesma hora, porque o médico proibiu o café. Dorme com as galinhas e acorda com os galos, e não gosta de descansar sem precisar. "Deixa pra descansar quando morrer."

Deve gostar de ler jornal, mas não deve ser fã de literatura lírica. Pra ele, o amor de sua esposa lhe bastava. E na música! Ouve Bartolomeu Galeno e boleros e tangos que falam de amor. Deve ter um neto preferido, que os outros dizem ser "a sua cara", e para este sempre dá 10,00 reais a mais no fim de semana. Seu bordão deve ser comum a muitos de sua idade: "No meu tempo...".

Imaginei tantas coisas da vida desse senhor que deu vontade de sentar ao seu lado e dizer: "Bom dia, como vai?" e escutar todos os causos que ele quisesse me contar, inventados ou não. Entretanto, ouvi o som que indicava que o 421 havia sido chamado para depositar a carta.

Carta, coisa que era muito mais valorizada no tempo do senhor que estava a sua frente.

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