quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Madalena

Madalena cruzava a Avenida a pé às 4h da manhã. Carregava na mão direita os sapatos dourados de salto e na mão esquerda uma bolsa pequena com o celular, a carteira de identidade e o dinheiro do táxi que não pegou. Preferiu guardar o dinheiro pra próxima festa e caminhar. Já que fazia uma noite tão estrelada, aproveitaria! “Por que não?” E a lembrança da pergunta que se fez no início da noite ecoou: Por que não aproveitar?

O vento balançava sua saia vermelha quando ela fechou a porta. Ao sair de casa, ouviu a voz da mãe perguntando aonde iria. Não sabia dizer. Só sabia que tinha que sair sem olhar pra trás pra sossegar. As quatro paredes que sustentavam sua casa agora pareciam encolher sobre sua cabeça. As luzes da rua a chamavam e os sons de carro passando eram alimento pra sua alma frenética.

Entrou no primeiro bar que o movimento parecia bom, abriu a primeira cerveja e é aqui que começa a noite. No fundo do copo, o reflexo de seus pensamentos que precisam de ordem. Desprevenida, ela se afoga como se uma onda a tivesse pego num caldo, é fácil se perder entre os problemas quando se está só. Balança a cabeça e pensa: "Meu problema é que eu não consigo parar de pensar". Olhando ao redor, tanta gente conhecida. Encontra uma amiga da faculdade e ela lhe fala de uma festa na casa de um amigo. Pra lá elas vão.

No carro, toca algo que faz as janelas estremecerem e o coração acompanhar a batida do bumbo da bateria. Param no posto de gasolina, compram um litro de vodca e seguem. O mesmo vento que balançou a saia entrava agora pela janela e esvoaçava os cabelos. Olhando os pneus girarem e as casas ficando pra trás, ela se lembrava de tudo que havia deixado no passado. Pra Madalena, o bom da vida é viver sem saber o que é bom ou mau, só sabendo o que quer, fazendo as regras do seu jogo e quem quiser, que jogue junto. Chegam ao apartamento do amigo da amiga da faculdade, apartamento pequeno num bairro nobre, cheio de gente, do jeito que é bom.

O zumbido das vozes, a música alta, meia carteira de cigarros e uma caixa de cerveja depois, ela esqueceu. Anestesiou-se de tudo na varanda do décimo terceiro andar, de onde se tem uma bela vista da cidade. As luzes das casas ainda acesas levaram seus pensamentos em cada janela iluminada, em cada vida que era completamente diferente e numa hipótese de como seria sair de si mesma e entrar noutra vida, mais fácil, menos conturbada. Precisava de outra cerveja, já estava cansada desse "lembra-esquece" de problemas.

Dentro da casa, seus pés se movem com o som enquanto procura quem irá guiá-la esta noite. O mais interessante estava encostado na parede, alto, moreno, cara de vocalista de banda de rock britânica. Pelo que sabia, era o fornecedor da noite. Ouviu os amigos falarem algo relacionado a ecstasy enquanto dançava por perto e sorriu. Achado.

Conversa vai, após saber que Heitor acabara de voltar de um intercâmbio, uma pílula depois e risadas e gemidos, ela estava deitada sobre o ombro dele na cama, do outro lado da cidade. Pelos seus pensamentos sóbrios percebeu que está sozinha, mesmo quando acompanhada. Mesmo com ele ao seu lado, mesmo com qualquer alguém ao seu lado. Dentro dela, ela sempre estaria só. Levantou-se se cobrindo com o lençol e foi para o banheiro. Nem se encarou no espelho, vestiu-se e partiu. Ele dormia serenamente, melhor não acordá-lo.

Daí chegou à Avenida, resolveu tirar os sapatos pra caminhar melhor. No caminho de volta pra casa, resolveu voltar a si. Percebeu que essa necessidade de adrenalina, essa necessidade de sempre precisar de alguma coisa, nada mais era do que sua alma gritando por preenchimento. Tinha tudo, mas algo sempre estava faltando. E a sensação de complemento, mesmo que momentâneo, era viciante.

O sol chegava ao céu quando Madalena chegou em casa. Ao entrar, beijou a testa da mãe que dormia no sofá da sala. Passou pro quarto e jogou-se na cama. Dormiu de saia vermelha, sapato dourado na mão e barriga vazia. Entretanto, com o peito cheio.