quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Atrasada.

Acordara decidida a se declarar. Por que hoje? Não sabia; mas hoje parecia ser um dia diferente dos outros todos. O Sol parecia brilhar mais, as nuvens pareciam mais fofas e até o galo da casa vizinha parecia mais afinado. Ela se arrumou, penteou os cabelos negros, passou o perfume que ele tinha dado e saiu.

Gostava dele desde que haviam se conhecido: foi numa tarde fria de agosto de 2005. Ela entrou no primeiro café que viu na rua e sentou-se. Ele apareceu e não tinham mais mesas vazias. E, como ambos pensavam, sentar ao balcão é estranho. Compartilharam uma mesa. Ela sentiu arrepios desde o primeiro sorriso dele, que veio acompanhado de um: "Com licença, posso me sentar com você?"
Ora, como ela iria negar?! Era o sorriso mais lindo do mundo! E só com esse sorriso ele conseguiu fazê-la ficar sem respirar. Daí a conversa fluiu. Perceberam que não tinham NADA em comum. Enquanto ela preferia doce, ele gostava de amarelo. E sendo praticamente opostos, eles se completavam.

Ela tinha esse sentimento guardado desde essa tarde, e agora, após cinco anos, ia revelá-lo a ele. Estava com saudades, não se viam há duas semanas, e isso só aumentava sua vontade de falar tudo pra ele.

Com o pensamento otimista, andou sete quarteirões até a casa dele, aproveitou o tempo para ensaiar o que falaria quando ele atendesse a porta. Chegou, respirou fundo e tocou a campainha. Minutos depois uma senhora conhecida abriu, com um semblante sério. Estranhou, afinal ele morava sozinho.

Perguntou o que a senhora fazia ali e ela, fungando, disse para a moça entrar. A casa estava lotada de pessoas que ela não lembrava o nome, mas que já tinha visto algumas vezes. Achou o clima muito estranho e perguntou: "O que aconteceu aqui?". Alguém apontou para a sala ao lado, vazia, e ela foi para lá. Antes não tivesse ido.

Ele estava tão "não-ele". Lá, deitado, a madeira do caixão contrastando com sua pele alva. Ela não chorou, mas sentiu um aperto sem medida no pulmão. Aproximou-se do caixão, ajoelhou-se e chamou por ele. Atitude estúpida, afinal ele não ouviria! Mas ela precisava ter certeza de que ele tinha se ido pra sempre.

Abriu a boca e fechou várias vezes, como que criando coragem para falar. "Agora não vai adiantar de muita coisa, mas eu queria que você soubesse: desde o primeiro instante que a gente se viu eu soube que você teria alguma importância pra mim. Afinal você também não quis sentar ao balcão." Riu e continuou. "E eu estava certa, você se tornou tudo que eu precisava pra viver, era a pessoa mais importante da minha vida. Eu te amo. Eu sei que essas três palavras não dizem tudo o que eu sinto, mas é um começo. Eu te amo e te deixei escapar. Cheguei atrasada, como sempre, e agora você não está mais aqui. Espero que de onde você esteja, consiga entender o que eu estou querendo dizer. Obrigada por fazer parte da minha vida e me desculpe por não ter feito parte da sua.” Levantou-se e saiu.

Não quis acompanhar o cortejo, seria demais para ela. Preferia ficar com a lembrança dele aberto. Caminhou novamente até sua casa e quando chegou, jogou-se na cama. Tentou dormir, quem sabe em seus sonhos ela tivesse outra chance. Outra chance que ela aproveitaria mais cedo e não se arrependeria de ter feito algo muito tarde.

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